
Do posto de presidente, Henrique vê cena inédita em seus 42 anos de Câmara: presidiário na tribuna
Frustrado
com a decisão do plenário de preservar o mandato de Natan Donadon,
deputado condenado e preso por formação de quadrilha, corrupção e
peculato, o presidente da Câmara tomou uma decisão: “Enquanto eu for
presidente, não colocarei mais em votação nenhum pedido de cassação sob o
manto do voto secreto”, disse Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) em
entrevista ao blog. “É uma maneira de eu pressionar a Casa, no bom
sentido, para apreciarmos a PEC que institui o voto aberto.”
Significa
dizer que, se o STF confirmar as condenações dos mensaleiros com
mandato, os pedidos de cassação de José Genoino (PT-SP), João Paulo
Cunha (PT-SP), Vademar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) só serão
levados ao plenário depois que for revogado o voto secreto.
Consumado
o vexame da noite passada, Henrique Alves apressou-se em declarar vaga a
cadeira do deputado-presidiário. Em deliberação solitária, sujeita a
questionamento judicial, anunciou a convocação do suplente de Donadon, o
ex-senador e ex-ministro da Previdência Amir Lando (PMDB-RO). Vai
abaixo a entrevista com o presidente da Câmara:
— Quando decidiu esticar a sessão até 23h, já suspeitava que o resultado poderia ser adverso?
Havia um zunzunzum no plenário. Achei importante dar mais tempo para
que os deputados viessem votar. Queria que o quórum fosse mais
qualificado. Mas chegou uma hora que não tinha mais jeito. Quem não foi é
porque não queria mesmo votar. Tive que tomar uma decisão solitária.
—
Na sua decisão solitária, o sr. declarou vaga a cadeira de Donadon e
convocou o suplente. Fez isso lendo um texto preparado com antecedência.
Já antevia o resultado? Passei a considerar a hipótese quando começaram a chegar a mim deputados inquietos com o sentimento que recolhiam do plenário.
— Redigiu a decisão mais cedo? Não.
Foi no momento. Na hora que comecei a verificar a inquietação de alguns
deputados, senti que precisava encontrar uma saída para o Parlamento.
Conversei com o Mozart [Vianna, secretário-geral da Mesa]. E tomei a
decisão. Posso enfrentar incompreensões. Mas decidi assumir esse ônus
pensando na Casa. Devo obediência à decisão do plenário. Mas ele
[Donadon] não vai ficar na prisão exercendo o mandato de deputado. Ele
poderia, daqui a pouco, pedir a um juiz para comparecer à Câmara uma vez
por semana. Imagine o constrangimento! Convoquei o suplente pensando no
Parlamento.
— Quando assume o suplente?
Já declarei a vacância do cargo, e convoquei o suplente [o ex-senador e
ex-ministro Amir Lando]. Liguei pra ele. Assume nesta quinta-feira, às
15h. Na prática, o Donadon não vai exercer o mandato. Está preso. A
Câmara não ficará com um deputado a menos nem Rondônia ficará sem um
representante. É o que eu tinha que fazer.
— A Câmara
já havia interrompido o pagamento dos salários do deputado Donadon e da
assessoria dele. Tenta retomar o apartamento funcional. Esses
procedimentos serão mantidos? Sim, ele permanece na
situação que estava. Preso, não estará exercendo o mandato. Não há razão
para ter gabinete nem funcionários. Vou manter as decisões anteriores
pela simples razão de que ele não estará no exercício do mandato.
— Não receia que a Mesa diretora da Câmara desautorize sua decisão solitária?
Não. O que pode acontecer é o Donadon entrar com mandado de segurança.
Mas não posso pensar nisso. Tive que assumir a responsabilidade. Penso
em telefonar para o presidente do Supremo [Joaquim Barbosa] para fazer
um apelo. Na hipótese de haver um mandado de segurança, gostaria muito
que fosse preservada a decisão que tomei como presidente da Câmara.
—
Durante a votação do pedido de cassação, vários deputados sustentaram a
tese segundo a qual caberia à Mesa da Câmara afastar o deputado
condenado no STF. Por que o plenário foi transformado em instância
revisora do STF? Não há respaldo legal para que a Mesa
substitua o plenário nessa matéria. Seguimos o artigo 55, paragrago 6º
da Constituição. Quando há condenação penal transitada em julgado, a
decisão sobre o mandato cabe à Câmara. Tanto que alguns deputaos estão
cogitando propor uma PEC [proposta de emenda à Constituição] para
alterar isso. O próprio Supremo mudou seu entendimento sobre essa
matéria.
— Como assim? Antes, havia no
Supremo maioria a favor do entendimento de que o tribunal poderia
decretar a perda do mandato de condenados. Agora, com a mudança de
composição do plenário do tribunal, formou-se maioria de 6 a 4 no
sentido de que a decisão sobre os mandatos é da Câmara. Aplica-se,
então, o texto Constitucional naquilo que está previsto no artigo 55,
paragrago 6º.
— No caso do mensalão, dependendo do
resultado do julgamento dos recursos, a Câmara pode ter que deliberar
sobre os mandatos de mais quatro condenados. Não receia que o resultado
se repita nesses casos? Precisamos aguardar o término do
julgamento. É preciso esperar pela apreciação de todos os embargos. Mas
seja qual for o resultado, já tomei uma decisão: enquanto eu for
presidente, não colocarei mais em votação nenhum pedido de cassação sob o
voto secreto. Não há hipótese. Há em tramitação uma PEC que institui o
voto aberto para esses casos. Já constituímos uma comissão especial para
tratar do assunto.
— Por que essa comissão não anda? Alguns
parlamentares não estão comparecendo para dar quórum. Mas eu vou
acompanhar isso todo dia para ver se as coisas acontecem. Minha decisão
está tomada: não colocarei em votação nenhum projeto de cassação sob o
manto do voto secreto. Eu, como presidente, não farei mais isso. Com
voto secreto, eu não coloco mais em votação nenhum pedido de cassação de
mandato. É uma maneira de eu pressionar a Casa, no bom sentido, para
apreciarmos a PEC que institui o voto aberto.
— A aprovação dessa proposta já não havia sido acertada? Você
tem razão. Quando assumi a presidência da República interinamente, em
junho, recebi no Palácio do Planalto todos os líderes partidários,
inclusive os da oposição. Acertamos que esse assunto deveria ser posto
em pauta. O acordo foi confirmado depois na reunião de líderes na
Câmara. Decidimos que o fim do voto secreto para a cassação de mandatos
seria votada. Todos concordaram. Selecionamos uma emenda do senador
Alvaro Dias [PSDB-PR], já aprovada no Senado. Depois disso, vários
partidos não indicaram seus representantes na comissão especial criada
para tratar do tema. Dei um prazo. Não fizeram as indicações. Há uns 15
dias, eu indiquei os líderes e os vice-líderes. Agora, a comissão não
vem tendo quórum para deliberar. Minha decisão de não mais colocar em
votação pedidos de cassação é para estimular a comissão a deliberar
sobre a PEC do voto aberto. É preciso que cada um assuma suas
responsabilidades.
— Com 42 anos de mandato, já tinha visto coisa como um presidiário discursando da tribuna e o plenário salvando-lhe o mandato? Não.
Foi um episódio inusitado. Na época da ditadura, víamos deputados
resistindo em plenário contra cassações arbitrárias. Era o contrário
disso. Mas minha frustração não foi só pelo resultado. Lamentei também o
quórum. Cada deputado tem o direito de votar como bem entende. Eu, como
presidente da Casa, tenho que respeitar. Mas me frustrou o quórum.
Havia na Casa 470 deputados. Como é que só 405 registraram o voto no
painel? Esperava que todos fossem lá para dizer sim ou não. Pela
importância da votação, a Casa tinha que mostrar sua posição. A ausência
acentuada também é frustrante. Sobretudo porque o número de votos a
favor da cassação foi o dobro da quantidade de votos contrários.
Faltaram 24 votos. É frustrante.
— Acha que o prejuízo junto à opinião pública será grande? Não
tenho dúvida de que haverá prejuízo. O que é uma pena. A Casa vinha se
recuperando, assumindo várias posições muito positivas. De repente, vem
essa decisão na contramão.